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sábado, 31 de janeiro de 2015

Turcomenistão, Parte I: A chegada!

       O soldadinho fez, com as mãos, um sinal de “vem aqui, meu filho”. Eu já sabia que tinha dado merda. Eu devia ter falado olhando pra Bolinha, deixado claro que era pra tirar o flash, não pra botar o flash. Mas naquela meia correria, naquele nervosinho de partir logo pra dentro do desconhecido, a única palavra entendida foi “flash”. E o diabo da foto foi junto com uma puta luz, todo mundo viu o que rolou e, claro, aquele babaca daquele soldado também viu.
  O malandro saiu tomando o celular da minha mão, passou sermão em klingon, peguei de volta, destravei, o cara tomou outra vez, clicou afobado em tudo que é canto, peguei de volta, abri a galeria, cliquei logo na última foto. Tinha até ficado boa, pra uma foto noturna. Mas o mané meteu um zoom de 236 vezes até conseguir ver os 17 pixels do seu próprio micro vulto nela. Ficou puto, começou a dar esporro em klingon de novo, mostrando uma porrada de câmeras de segurança. E eu me defendendo, apontando pro letreiro e dizendo “Ashgabat! Ashgabat! Tirei foto disso!” Ele parecia querer confiscar ou mesmo destruir o celular, mas uma guardinha do lado repetia algo como “wuhnbsd ouhawruqh dilet”, com um ar contemporizador. Pô, peraí, “dilet” só pode ser “delete” em turcomeno! Isso! Deleta essa porra e me deixa ir em paz! E deletou mesmo, veio a próxima foto, que tinha tirado da janela do avião, e deletou também. E veio a próxima, tirada em Lyon, e mandei desesperado “No Turkmenistan! No Turkmenistan! Lyon! France!” 
       Bem, o cuzão entendeu, me devolveu o celular e nos liberou pra área interna. Já falei que não eram nem 4 da manhã? Enfim, foi surreal ter tido o primeiro problema ainda na pista do aeroporto. A adrenalina nem me deixou ficar orgulhoso da Bolinha naquele momento. A raiva que ela ficou do fdp não ultrapassou os limites da calcinha! Enquanto o avião taxiava, apenas uns minutinhos antes, eu discursava com ela sobre o fato de que não poderíamos reclamar com autoridades ou contestar decisões arbitrárias com veemência. Era pra sempre conversar respeitosamente, nada de barraco (e nesse sentido era melhor que ela ficasse calada sempre, hehehe). Caso contrário, eles poderiam, por exemplo, tomar nossa câmera, como já tinha lido em relatos. Premonição?
       Enfim entramos e havia duas filas. Uma enorme pro “BANK” e outra, de sete pessoas, pro “WISA”. Fui direto pro wisa confiante. Portava orgulhoso minha carta convite, que custou 100 dólares, e era só carimbar ali, né? Chegou minha vez e demorou mais do que com os outros. Leve cagacinho. O cara me chamou e mostrou: numa linha era pedido o visto por 12 dias; na linha de baixo dizia “duração: 10 dias”. Uau, que problemão! Mas pra eles era um problema mesmo, o cara danou a telefonar, me pediu pra chegar pro lado, começou a atender o casal atrás de mim e chegou um superior, com medalhas. Ok, cagaço. Nesse momento, me lembrei que eu ficaria só 7 dias e isso poderia enrolar ainda mais as coisas. Eram 12, 10 ou 7 dias, porra? Putz, cagação! Até que o cara me fez uma pergunta decisiva: “dez dias são suficientes pra você?” Pelo conteúdo e tom, pareceu que se eu dissesse que sim, tudo se resolveria. Mas nessas horas vale o teorema dos 50%: a probabilidade de acontecer a merda, por menor que seja, é de 50%. Então, com medo de que minha resposta fosse a senha que eles precisavam pra me deportar ou me jogar pelado além da fronteira com o Afeganistão, abri o jogo e disse que sim e que só ficaria 7 dias. E me fizeram declarar de próprio punho que eu só queria visto por 10 dias. O gigantesco equívoco foi solucionado com esse singelo gesto.
       E fui pra fila do bank pagar mais 200 obamas só pra podermos entrar no país. Com essa tensão dos episódios recentes, lembrei do espanto na cara do cara do passaporte no aeroporto de Istambul: “brazilian... are you going to Ashgabat??? WHY???” Rimos bastante. E comecei a entender o porquê daquilo que, na hora, eu tinha considerado um exagero e até mesmo, com um arzinho superior de quem sabe o que está fazendo, uma certa ignorância desse maluco. “Ora bolas, carimbar passaportes do mundo não te faz conhecedor do mundo! Rá! Quando eu voltar dessa terra você vai ver why!”, pensei eufórico na hora. E lembrei bem preocupado agora.
       Resolvida essa etapa, finalmente os primeiros sorrisos. O carimbador de passaportes ficou eufórico ao ver dois brasileiros. 
       - Brazil! Football! Ronaldinho! 
       - Yeah, he played for Flamengo a few years ago! Remember, once you are Flamengo, you are Flamengo until you die!
       Mandei essa pérola rubro-negra com o peito estufado, certo de que estava formando opinião, hehehe. No Turcomenistão ainda podemos falar de futebol de cabeça erguida. A notícia do 7 a 1 ainda não chegou por lá, os caras estão acompanhando os VTs do tetra.  :-)
E tocamos pra saída. Mais de uma hora e meia depois de chegar, ainda tinha mesmo um cara esperando com meu nome. Que felicidade! “Tudo bem?” “Qual é seu nome?” Isso mesmo, Volodya é o nome que a Mila tinha escrito por email, estamos com o cara certo! Porém – aaah, porém! –, caminhando pelo estacionamento, lotado de carros congelados, percebemos que o cara não falava nada de inglês! Ele não respondia nada, só dava um sorriso, e no início parecia apenas que não estava a fim de muito papo. No meio do percurso, após eu tentar mais uma vez com algumas perguntas, ele, sem dar um pio, catou no meio de uns papeizinhos e me deu um: “10:30 city tour”.
De repente, ele parou na porta de um prédio com uns guardas na esquina. Não tinha nenhuma pinta de que tínhamos chegado, mas tínhamos. Era o hotel. Sombrio. Na porta estava escrito “Hotel uyqbwycvbawy tvbjfgb ministrigly ugwdh” e, do outro lado da porta, “Hotel of the Ministry of Internal Affairs”. Como assim? Não quero ficar aqui! Porra, hotel da Casa Civil, é isso mesmo? Que parada bizarra! O Volodya não tocou campainha, simplesmente espancou a porta. Uns segundos depois um soldado(!) abriu. Entramos bolados. Nenhuma palavra em inglês. Pra ser mais preciso, nenhuma palavra at all. Uma mulher nos deu uma chave: 105. Um soldadinho, ainda com bigodinho mole, nos levou até o quarto, acendeu todas as luzes, saiu e trancou a porta. O quarto era grande, mas o banheiro era fedorento e tinha guimbas de cigarro atrás da privada e na lixeira. Tínhamos pouco mais de 3 horas pra dormir, mas como, nessas condições emocionais?
Foi sinistro. Achamos que o Volodya seria nosso guia, mesmo sem falar inglês. Que furada! Não dissemos um pro outro na hora, mas dormimos muito mal com MEDO da situação. Medinho de estarmos sendo sequestrados pela KGB mesmo, saca? Mas no dia seguinte, quando nos chamaram, o Volodya trazia um guia simpático, que falava inglês muito bem e nos esclareceu um monte de coisas. Fomos entendendo um pouco do que era aquele país, o que podíamos e não podíamos fazer. E a felicidade começou a nos atacar de todos os lados.

3 comentários:

  1. Excelente, Godinho!!!
    Você se mostrou um excelente cronista e, por que não dizer, contista. Aqui demonstrou talento para chegar até o romance, quem sabe!!!

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    1. Pô, se quer que eu te pague uma cerveja, pode dizer, hehehe! Valeu pelo elogio!

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