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quinta-feira, 13 de agosto de 2015

O carro 666

       Muitos garantem que a diferença entre meninos e homens está apenas no preço dos brinquedos. Exagero ou não, os carros estão aí para servir de exemplo para tal afirmação, eles são algo que muitas vezes fazem parte da nossa vida desde a infância. Para quem gosta, um carro pode ser marcante de diversas formas. Quem não se lembra do primeiro carro? E daquele que era um sonho antigo que foi realizado? Ou então aquele outro que, coisa normal, foi possuído pelo demônio?
       Pois é. Um dia eu estava saindo para o trabalho. Entrei no carro, botei o cinto e caraca! Quase esqueci! Voltei correndo no meu quarto, passei a mão na câmera digital e parti com ela pronta no banco do carona. Eu não podia perder a chance de registrar o fenômeno que esperara por meses e que certamente aconteceria naquele dia.

       O grande acontecimento era o seguinte... Melhor, deixa eu explicar direito antes. A culpa toda é de uma das maiores bandas de heavy metal, o Iron Maiden, cujo álbum "The Number of the Beast" (O Número da Besta) é um dos mais famosos. Trata-se de uma referência a uma passagem da Bíblia (Apocalipse, capítulo 13) que diz que 666 é o número da besta. E fazer menção ao tal 666, sem enjoar jamais!, é um de meus hobbies favoritos.
       Posto isto, vamos lá. A tal coisa que ia acontecer é que meu carro marcava 66.659 km rodados quando saí de casa. Como eu morava no bairro da Vila da Penha e estava indo para o Méier, num percurso de 14 km, ia rolar no meio do caminho: seria alcançada a suprema marca de 66.666 km. Pô, qual é... Imagina só, se 666 é o número da besta, o 66666 é muito mais poderoso, deve ser o número, sei lá, do AVÔ da besta!
       No caminho, atenção total para registrar o momento histórico e macabro. A cada virada de número, a ansiedade aumentava. Foi para 66660, putz, só falta um 6, tô tremendo, tô tremendo, 66661, 66662, tá chegando, tá chegando! Nããããõoo! Não pode ser! Notei que uma coisa bizarra estava prestes a ocorrer. Quanto mais eu avançava pela Avenida Automóvel Clube, a Avenida da Morte, naquele tempo temida por todos que nela transitavam, mais parecia que ia realmente ser daquele jeito. Seu imbecil, quem mandou ficar brincando com essas coisas? Só pode ser castigo! 66663... 66664... Caraca, é claro que vai dar merda!
       E eis que o destino escolheu mesmo me colocar nessa situação. Tudo levava a crer que a quilometragem do mal seria atingida bem na frente de onde não podia. Na porta do boteco do João? Não, não, tinha que ser dramático: seria na porta do Cemitério de Inhaúma! Meus olhos arregalaram lentamente, saca? De leve, tive um cagacinho sincero. Acho que vou voltar pra casa! Rá, claro, tem uma pracinha antes de chegar lá, posso ficar dando voltas até chegar em 66667. Não, isso vai ser ridículo... Cara, sério que eu tô com medinho mesmo? Besteira, vou seguir. [Dois segundos.] Ok, quero voltar. Não dá mais. E embiquei o carro na frente daquele mar cinzento de cimento e cruzes e pessoas mortas, já com o hodômetro marcando 66665. E o muro do cemitério foi ficando maior e maior, não acabava nunca, eu olhava pro marcador e pro muro, pro muro e pro marcador, pô, ser estrábico até que está sendo bem útil agora, mas cacete!, como nego enterra gente aqui! 
       E, finalmente, após aquela meia hora passada em poucos segundos, eu avistei o paredão lateral do cemitério, era o fim, e o carro ainda marcava 66665. Ah, falta tão pouco que não dá mais para dar ruim. Essas frases confiantes são ótimas, não? A uns 15 metros do fim do cemitério, o marcador virou para 66666. Não dava pra acreditar que a profecia tinha se concretizado! Que o mal havia vencido! Que a esperança havia acabado! Que minha vida seria... Ok, tá bom, chega de drama.
       Mas é fato que fiquei perdido por uns segundos. Entrei na Linha Amarela e, ainda tentando entender o acontecido, peguei a câmera e fiz algumas fotos do painel. Cheguei no cursinho e, em todas as turmas, contei a enrascada em que me meti. Ficaram rindo de mim, que besteira, claro que não é nada. Humpf, tá bom, 666 no dos outros é refresco!
       Quando voltei pra casa, procurei não pensar muito nisso. Dirigi com EXTREMO cuidado apenas porque é o certo, juro, hehehe. E cheguei em segurança, viu como não era nada? Vou ver logo essas fotos, vamos lá... Quem sabe não tem uma sombra macabra atrás de mim, hihihiii [riso nervoso], procura, procura, não, não tem detalhe sinistro nenhum, pô, no fundo ia ser maneiro, pe-ra-í... Gelei. Não podia ser verdade aquilo. Mas eu estava vendo, estava muito claro nas fotos. O hodômetro estava em 66666 km e o velocímetro em... 66 km/h!!! Não, fala sério, vou vender essa porra! Carro do capeta! O que mais vai aparecer? Maldito seja! Não vou esperar ele me levar...
       [Uma semana depois...]       
       A vida seguia, eu já nem lembrava mais daquilo. Vender o carro? Ah, que palhaçada, ficou no passado, ganhei uma história legal pra contar nas aulas, isso sim. Parei no sinal. Olhei a placa do carro da frente. Ahahaha, pô, semana passada eu ia ficar bolado, placa de Curitiba, 0666, caramba, já tive um carro 6630, é, esse me deu trabalho. Quebrava tudo, teve pedra do tamanho de uma bola de futebol que subiu e ficou presa em cima da roda, como pode?, até cabeçada na porta eu dei. Eu mesmo que nunca fui curimbista, acabei indo curimbar pra reclamar que meu carro tava com encosto, o moço disse que o encosto era meu, não era do carroção. Mas esse aqui não tem nada disso não, a placa é número do bem, é LNB 1278, 12 mais 78 dá 90, beleza. Hummm, mas 78 menos 12 dá... Porra, dá 66! Ah, mas subtração não vale! Não vale, né? A regra é a soma, é o que importa, tipo 1 + 2 + 7 + 8 dá 18, ufa, nada a ver! 

       Não, espera, 18 é três vezes o 6! ¡Ayudame! ¿LNB és eL Número de la Bestia?


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