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sábado, 25 de abril de 2015

Galeano, João Ubaldo e o iPad

       Eu não leio livros, como regra geral. Sou meio ogro e espalho por aí que detesto poesia, mas sempre li muito jornal. Parada objetiva, saca? Pra se ter uma ideia do meu distanciamento da coisa, meu livro preferido durante muito tempo foi "O Último Teorema de Fermat". Eu sei, que merda, é um livro sobre matemática... Mais precisamente sobre a história da matemática relacionada de alguma forma com a demonstração do chamado Último Teorema de Fermat, que ficou em aberto por mais de 300 anos. Já li biografias de alguns de meus ídolos do metal. Agora a do Guga está na fila. Primeirona da fila, o que não garante em nada que será lida nos próximos 12 meses. Na escola, a prova do livro era um tormento. Não tinha internet com resumos incríveis. Não raro, eu fazia a prova do livro baseado no que meus amigos me diziam. Graças a Deus, a nota dessa prova era apenas parte componente da nota de português, senão eu estaria sempre ferrado.
       Nessa vida, só lembro de um cara que me fez pensar que gostava de um escritor, justamente pelo seu trabalho como escritor. Todo domingo eu lia, no jornal, a parte de esportes, as notícias do mundo, um pouquinho do Rio e deixava o melhor pro final: a crônica do João Ubaldo Ribeiro. Nem sempre eu concordava com o conteúdo, com suas opiniões políticas, já cheguei a achar que estava dizendo merda braba, mas sempre terminava com o mesmo sentimento: putz, quero tomar um chope com esse cara! Acabei lendo alguns de seus livros e nunca na vida tive sensações, lendo, como quando li "Viva o povo brasileiro"; a "cena" do estupro é atormentadora. Quando ele morreu, confesso que uma lágrima caiu; fiquei triste como acho que ficarei quando chegar a vez do Geddy Lee.
       Bem, essa breve introdução foi para contextualizar uma pequena história que envolve livros e a minha pessoa. Anos atrás, eu trabalhava em uma escola que decidiu fazer um concurso de redação entre seus funcionários. Todos poderiam participar e o prêmio principal era um iPad. Tinha um ponto no regulamento bastante estranho: os participantes podiam ter acesso ao tema da redação alguns dias antes do dia da prova. Isso certamente daria vantagem a alguns, mas assim mesmo resolvi entrar nessa e, muito competitivo, tinha a intenção de ficar em quinto lugar. Por que exatamente em quinto? Porque não pensava em competir com os professores de linguagens, mas eu queria ser o melhor café-com-leite da escola. Queria entrar na sala dos professores e poder sacanear meus colegas de história, química ou matemática, sei lá. Iáááá, burrão! Putz, escreveu pobrema, cara? Minha maturidade impressiona, não?
       Enfim, chegou o dia da prova e eu tinha esquecido completamente dela. Resolvi fazer a redação, mas estava bastante desanimado, pois como todo mundo sabia do tema há dias, menos eu, nego já chegou lá com tudo pronto na cabeça. Escrevi, escrevi e fui embora. Alguns dias depois, recebo uma ligação. Uma pessoa da escola, com voz toda animada, me contou:
       - Parabéns, Godinho!
       - Por quê?
       - Você ficou em segundo lugar!
       Demorei para entender do que se tratava. Fui o segundo em quê? Ah, tá, o concurso de redação. Pô, eu queria ficar em quinto, mas fiquei em segundo. Bom demais, né? NÃO!!! QUE MERDA! Imediatamente fiquei com MUITA raiva. A vida estava relaxada, aquilo não me importava, eu continuava ignorando o Steve Jobs, mas a partir daquele momento eu queria ser o primeiro! O segundo tá quase lá, muito quase! Bosta! Cadê meu iPad? Pô, legal, então fiquei na frente de vários professores de linguagens... Ah, legal é o cacete, que se dane, QUEM GANHOU? Ah, tá, ok... Humpf, só ganhou porque fez letras E TAMBÉM foi minha aluna, aí aprendeu mais! Que merda! O quê? Ganhei o quê? Tá de sacanagem...
       Na boa, eu queria que pegassem aquele prêmio e... Ia ser menos escroto ganhar alguma coisa útil, por mais idiota que fosse. Eu escrevi bem? Podia ser uma caneta, é um reconhecimento temático. Ou então uma calculadora ou, sei lá, um Poupançudo do Flamengo. Mas não, claro que não! Aquele prêmio foi para tripudiar, só pode! Ganhei uma caixa com uma incrível coleção de 20 clássicos da literatura nacional, em edição vagabunda econômica. Tipo "Senhora" e "Lucíola", saca? O que vou fazer com isso? E não me venham com "mas Machado de Assis é muito bom"!
       Eles ainda estão todos lá no quartinho da bagunça, praticamente intocados na caixa, apenas esperando autorização da minha preguiça para pegar o bonde da OLX. E ainda que eu esteja aqui gastando meu tempo escrevendo de vez em quando, essa relação escrota com livros certamente não mudou. E que se dane, vou do meu jeito, com concordância estranha, narrativa sem padrão, tempos verbais aleatórios e tal. E rezando para que você não seja do tipo "mas Machado de Assis é muito bom".


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       Abaixo, segue parte do primeiro parágrafo original deste post, que foi covardemente CENSURADO por minha digníssima senhora, por conta de citar o nome sagrado de um de seus ídolos sem a devida reverência.  :-)

       Ontem morreu o Eduardo Galeano, escritor uruguaio. Eu sei que provavelmente não o conheceria se não fosse casado com uma professora de espanhol. Por conta disso, acabei lendo o seu "O livro dos abraços" e gostei muito. Mas o fato que importa é que sua morte me fez lembrar da conturbada relação que travo com a literatura.



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