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sábado, 6 de junho de 2015

Minha vida de bandido: o primeiro assalto

       Futebol sempre foi uma parada que me moveu. Sou capaz de passar meses na inércia sem conseguir fazer andar um processo para aumentar o meu salário, mas se precisar resolver em dois dias uma viagem "urgente" pra assistir a uma partida de futebol de sonhos, dê a tarefa como feita. Nesse exato momento eu deveria estar consertando meu carro, mas como eu tenho uma habilidade incrível para priorizar...
       Lembrei dessa história por conta do intenso debate que temos visto ultimamente acerca da redução da maioridade penal. Esse caso que vou contar tem a ver com menor, com infração e com recuperação. Eu tinha uns 15 anos quando decidi entrar para uma torcida organizada. Eu não queria brigar, como boa parte daqueles que entravam; nem daria pra mim, sempre fui lerdo demais. O problema era financeiro mesmo, minha mesada quase toda estava sendo consumida pelo Maracanã. Eu e o Marcelinho da Oliveira íamos a todos os jogos do Flamengo e eu tinha que escolher entre isso ou lanchar na escola. Tava sinistro, então decidimos entrar na extinta Falange Rubro-Negra, com um plano maligno em mente.
      Nessa onda, acabamos indo ao nosso primeiro jogo fora do Rio. Foi um Flamengo x Santos, no famoso Estádio... Caio Martins, ali em Niterói. É fora do Rio, pô! Não menospreze a pouca distância; lembre-se que, para um moleque ultra lerdo de 15 anos, era uma façanha ir a Niterói sozinho! A-ven-tu-ra! Além do mais, ao entrar no MUNDO DO CRIME, o melhor é começar por perto. Pra felicidade da galera, o Mengão venceu o Santos por 1x0, gol do Nélio. (Acabei de descobrir que o técnico era o Luxa, que foi demitido do Mais Querido pela quarta vez... semana passada!)
       Bem, a coisa começou a acontecer mesmo depois do jogo. O pessoal da Falange estava andando junto com alguns caras da Raça, todo mundo indo pro ponto de ônibus. O cenário era meio bizarro. Parecia cidade fantasma, ruas vazias, sinais abrindo e fechando pra ninguém. Éramos só nós, cantando felizes. Eu e Marcelinho estávamos carregando uma sacola gigante, com bandeiras dobradas dentro. A gente se sentiu importante por receber tal missão, mas a verdade é que éramos apenas os calouros otários que estavam lá fazendo força. 
       Até que, finalmente, surgiu vida: uma padaria. Uma galera começou a entrar nela. Um, dois, cinco, vinte caras. O pessoal entrou lá na paz. Mas saiu de lá...
       - Corre! Corre! Vambora!
       - Caralho, Marcelinho! Que porra é essa?
       Eu vos digo que porra era aquela: era um tal de vagabundo carregar biscoito, pão, picolé, até leite de saquinho os caras roubaram! Todo mundo correndo, corri também! Segue os caras! Porra, eles roubaram, vamos nos afastar! E ser pegos sozinhos? Porra, segue os caras! Correria desenfreada, coração a mil, mente vazia, suor frio, vontade de chorar... Calma, cacete! Não temos nada a ver com isso! Até que, depois de uma curva, de volta ao ritmo de caminhada, pudemos respirar um pouco.
       Ok, ok, confesso, não tinha nenhum plano maligno, a gente só queria pagar meia e agora estávamos fugindo junto com ladrões. E, claro, estávamos completamente borrados! Durante esse quarteirão de relativa calmaria, a gente não sabia o que fazer. Hum, por acaso ir embora podia significar que éramos traidores e merecíamos muita porrada? Sei lá. Na dúvida, seguimos andando sem mexer nas coisas roubadas. Isso durou uns 2 minutos, até a próxima esquina, quando uma coisa mágica aconteceu. O que não dava pra piorar ficou pior. Tinha polícia no outro quarteirão! Putz, são os canas, cara! Que inferno, os tiras logo agora? E os ladrões, disfarçadamente, resolveram esconder as paradas roubadas. E, azar do diabo!, havia um lugar extraordinário: nossa bolsa enorme!
     Não consigo lembrar direito o que pensei durante aquela travessia. A gente continuou andando pra passar exatamente pelo local onde estava a polícia. E, nas nossas mãos, MUITA mercadoria roubada. Coração a mil, mente vazia, suor frio, vontade de chorar... Lembro vagamente de imaginar umas coisas. Alô, o senhor Roberto está? É que seu filho está PRESO na 78ª DP em Niterói. Hum... Olha, ele participou de um assalto. Sim, sim, claro, ele é um bom menino, todos esses delinquentes sempre são, não é verdade, senhor? Eu tremia, mas quando passamos do lado dos policiais, resolvi assoviar o hino do Flamengo. Pra disfarçar, saca?
       E não é que funcionou? Ninguém nos incomodou. Passamos direto, alcançamos a praia e o ônibus chegou em um segundo, como se fosse combinado. Nós corremos pra dentro, os caras correram pra cima da gente. A sacola! Pegaram a porra toda e nos ofereceram. Olha que educados! Não, não, valeu! Biscoito do demônio, sai pra lá! Foi por pouco, ufa! Nos livramos! Rio de Janeiro! Paz! Só que não...
       Antes do nosso ônibus sair, passou ao lado um ônibus da torcida do Santos. Começou uma correria... Vamos lá, porrada, fdp!, mata eles, desce do ônibus seu desgraçado, marquei sua cara, se não descer, vamos te matar! Eu gelei... Ainda bem que isso era com o cara do meu lado! Que, por sinal, não teve opção e desceu, com um medo no olhar de dar dó. Nessa hora já estava rolando nossa segunda salvação. O presidente da Falange, que era professor de história, gritou pra gente: "Falange fica! Estamos com material, temos que proteger nosso patrimônio!" [Isso, porra! Mandou bem, presidente!] Um cara chamado Sapão queria sangue e ainda tentou retrucar [Ahhh, cala a bocaaa!], mas era o presidente falando, ora bolas. Bem, deve ser mais divertido brincar de ser de um "exército" se você respeitar uma hierarquia. Vai entender...
       Então, partiu, né? Rio de Janeiro, casa, medo, inadimplência, perda da carteirinha da torcida, fim da meia-entrada, menos jogos, mais estudo. Infrator recuperado! Um ano depois eu contei isso pro meu pai.

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