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quarta-feira, 9 de setembro de 2015

A entrevista

       Você já foi entrevistado por uma grande rede de TV? Não? Ok, não é motivo pra se sentir mal, cada um com sua importância nesse mundo. Além do mais, a verdade é que estou só fingindo que isso é legal. Nós, as pessoas muito tímidas, gostamos mesmo é de desaparecer, na maior parte do tempo. E é uma droga quando o universo, mesmo sem querer, não compreende isso muito bem. Às vezes, ele resolve fazer bullying com a gente e tripudia em cima da nossa falta de traquejo em lidar com situações difíceis. Bem, com as fáceis também.
       Foi o que aconteceu quando eu queria comprar um simples ingresso de futebol. O jogo seria Flamengo x Vitória, semifinal da Copa do Brasil de 2004, e fui ao Maracanã no dia anterior pra garantir o meu lugar. Estava chato, a fila andava com extrema preguiça, quando rolou uma confusão lá atrás: "Caraca, é a Globo, maluco! Tá entrevistando geral!" E não é que era mesmo? Lá vinha o Régis Rösing, com microfone na mão, falava rapidinho, esticava a mão perto de uma pessoa na fila, voltava, andava um passo, perguntava alguma coisa pro próximo cara, o cara respondia, ele continuava.
       Inicialmente, achei maneiro e fiquei com um sorrisinho idiota na cara. Estavam muito longe ainda, não dava pra ouvir o que estavam dizendo e não iam entrevistar todo mundo, claro. Não fazia sentido. Só que, bem, parece que fazia. O Régis foi perigosamente se aproximando e fui ficando tenso. Quando chegou a uns dez metros de mim, deu pra começar a entender o trelêlê.
       - E aí, quanto vai ser o jogo amanhã?
       - Dois a zero pro mengão!
       - E você, o que acha?
       - Vai ser dureza, um a zero, mas vamos ganhar!
       Que inferno! Eu só quero ficar quieto, não quero falar nada com ninguém, é meu direito permanecer calado, não? Só que aí rolou uma luz. Enquanto a aproximação continuava, uma resposta me forneceu uma informação importantíssima.
       - Amigo, quanto vai ser amanhã?
       - Cinco a zero pro meu mengão!
       - Poxa, tá confiante, hein?
       - Pois é, vamos destruir!
       Mas é elementar! Com a curra parecendo cada vez mais inevitável, pelo menos eu faria aquele tormento passar o mais rápido possível. Nada de responder com placar elástico, senão ele vai me perguntar outra coisa. Então tá decidido, vou dizer "dois a um pro Flamengo", nem eufórico, nem desanimado, bastante invisível, sabe? Ele chegou no cara atrás de mim. E o suor começou a escorrer forte na minha testa. O cara respondeu algum placar, eu nem consegui ouvir. Mais um passo, já tá na minha frente, olho pro chão, espero, treino mentalmente, "dois a um pro Flamengo", e vem a pergunta:
       - E você, quanto acha que vai ser o PÚBLICO amanhã?
       . . .
       . . .
       Hã? 
       . . .
       . . . 
       Levei um século pra processar. O desinfeliz mudou a pergunta logo na minha vez! Que porra é essa? Eu quase disse "dois a um pro Flamengo", quase passei essa vergonha! Mas não passei. Passei outra. Lerdamente, com uma desconcertante cara de bunda, respondi o primeiro número que veio na cabeça.
       - Cinquenta e quatro mil...
       Não passou um décimo de segundo, olhei pro outro lado, era hora dele ir pro próximo, hora de me deixar em paz. Afinal, foi uma ótima resposta, considerando o improviso. Cinquenta mil teria sido mais normal, mas imagina, podia ter saído 3 mil ou 150 mil e ele ia achar que sou retardado. Tudo bem, sobrevivi, caso encerrado, né? Mas algum capetinha soprou no meu ouvido uma coisa. Um espírito zombeteiro se acercou de mim e me sugeriu que continuasse a falar. Diante desse assédio irresistível, eu me virei novamente pro Régis. E minha resposta completa, diante das câmeras, acabou sendo essa:
       - Cinquenta e quatro mil...
       [Virei pro outro lado...
       [Virei pro repórter de novo...
       - ... trezentos e setenta e seis.
       Por quê? MEU DEUS, POR QUÊ? Claro, de bate-pronto, ele disse "mas que precisão, hein, amigo!" e voltou com o microfone pra minha boca, TUDO que eu não queria. Nessa hora, eardentemente desejava MORRER. Eu tremia e suava, não sabia o que dizer. E, gaguejando, saiu "foi um chute". Virei pro outro lado cabisbaixo, consciente da escrotidão da situação, e ainda tive o desplante de completar, baixinho: "um chute bom".
       Eu não lembro dele indo embora, da pergunta que fez pro próximo cara, de nada. Sei que, de alguma forma, encontrei forças pra permanecer na fila porque lembro que fui ao jogo (ganhamos, o Edílson Capetinha perdeu pênalti e nos classificamos pra famigerada final contra o Santo André!)
       Bem, não tinha ninguém conhecido por perto. E, pensando direitinho, eu podia ficar tranquilo, afinal, por que alguém escolheria a resposta mais escrota de todas pra levar ao ar? Só que o universo estava no dia de me zoar. Naquele dia, eu apareci no RJ TV 2ª edição. No dia seguinte, no Globo Esporte. Pessoas me ligaram. Parentes me sacanearam. Meus amigos não perderam a piada, meus alunos perderam o respeito. A mãe de um amigo, que estava morando em MANAUS, ligou pra ele.
       - Rodrigo, acabei de ver o Godinho no Bom Dia Brasil, muito engraçado, falando todo enrolado, que mico, ahahahaha!
       A única exceção nessa esculhambação toda foi minha madrinha. Ela viu também, mas os olhos de dinda viram outra parada. É inacreditável como ela achou legal de verdade. Disse que fui muito bem e "imitou" minha voz, numa versão incrivelmente grave e sem medo. Pensando bem, esqueçam tudo o que eu escrevi, minha madrinha é que sabe das coisas! Para dar uma resposta magnífica - quiçá emocionante - como aquela, a pessoa obviamente tem que ser muito segura, coerente e claramente conhecedora de todos os meandros por trás dos números.


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