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sábado, 31 de outubro de 2015

A professora Beth

       Como sou professor de matemática, é de se esperar que eu não tenha tido grandes problemas acadêmicos com essa disciplina tão detestada. De certa forma, isso é verdade. Mas nem tudo foram flores durante a vida: já fiquei em recuperação por pura desilusão.
       Dado o meu gosto, é natural que alguns professores de matemática tenham me marcado. Alguns para o bem, outros nem tanto. O primeiro que me lembro é o Mário, na quinta série. Eu achava ele muito inteligente. Muito mesmo. E acho que ele via alguma coisa em mim também (hehehe, eu sei, isso ficou meio gay). Lembro de uma vez que eu garanti a ele que tinha achado um novo método para calcular MMC. Ele se interessou, eu levei pra ele ver: claro que estava errado.
       No fundamental, lembro que eu adorava a aula do falecido Luiz Carlos, o Gargamel. Quando, anos depois, ele veio trabalhar comigo, realmente me senti importante. No CEFET, a melhor professora de matemática que tivemos (bem, convenhamos que diante da concorrência isso não era lá uma tarefa muito difícil) foi a mesma que um dia chamou três alunos pra conversar no fim da aula. Virou pro Vinícius e disse: você é gênio e fica atrapalhando a aula por que sabe que consegue se virar depois. Virou pro Edvar e falou: você é um ótimo aluno, mas não pode entrar na dele, tem que se comportar melhor. Então, virou para mim e mandou na lata: você não fede nem cheira, fica no fundo da sala só esperando a aula acabar! Não me aconselhou, não brigou, nada. Só me diminuiu a porra nenhuma, cagou na minha cabeça, para ser bem preciso. Hoje isso daria um belo processo. Bem, talvez esse episódio tenha servido de motivação para alguma coisa.
       Na universidade, o chileno Mauricio Alejandro me disse, alguns anos depois de eu sair de lá, que eu tinha sido o melhor aluno que ele já teve. Lisonjeiro, não? E teve o lendário Sílvio Pinha, famoso por massacrar turmas inteiras de Cálculo. Na minha, por exemplo, dos 60 alunos só passaram quatro: eu e mais três. Quando eu passei, na prova final, ele me disse, com um sorrisinho irônico e sua peculiar voz de ovo na boca: até que você não é tão BURRO quanto eu pensava! Resolvi fazer Cálculo II com ele de novo, dessa vez com apenas seis alunos na turma; só os calouros otários desavisados se inscreviam na turma dele. Tirei 10 na segunda prova, coisa que ele não dava fazia uns anos. E, quando ele me perguntou se eu tinha estudado muito e se era só mais um dez no meio de muitos, eu me dei conta que tinha sido a primeira nota máxima na faculdade. Então me vinguei e disse: "na verdade, esse foi o meu primeiro dez aqui, o que deixava claro que essa foi a prova mais fácil que eu fiz até agora!" Claro que ele não gostou! Seu maior orgulho era ouvir de todos, quase sempre com tom de ódio, que suas provas eram impossíveis. Mas a essa altura a gente já tinha ótima relação, eu fui monitor dele nos anos seguintes.
       Mas ninguém, ninguém!, marcou tanto quanto a Beth. Ela devia ter entre 35 e 40 anos, sei lá, criança não sabe avaliar idade. Aos 11 anos, na 6ª série (atual 7º ano), eu tinha certeza de que, um dia, cedo ou tarde, eu iria dar uns pegas na professora de matemática. Eu ficava tentando me exibir pra ela, fazia perguntas que achava inteligentes, para ver se ela me olhava diferente, saca? Tipo, um dia ela ia ceder: Godinho, você é inteligente demais, não consigo mais resistir, quero que você me possua! Ué, por que não, hehehe? Só que meu sonho se foi no dia em que trocamos os quadradinhos pelo x. A Beth disse que íamos aprender equações do primeiro grau. E tomei uma decisão estúpida. Querendo mostrar mais do que rapidez nas continhas, fiz as perguntas fatais.
       - Beth, então existe equação do SEGUNDO grau?
       - Existe, Godinho. Mas a gente só vai aprender isso na 8ª série.
       Meu Deus! Fala sério, agora ela se impressionou com tamanha sagacidade, tenho certeza que ela respondeu isso de forma sensual. Eu vi uma mordidinha nos lábios? Rá! Vou mostrar para ela que a CAMA é nosso destino! Só que aí eu fui tomado por sentimentos confusos. De um lado, a vontade de me exibir, de outro, uma tremenda confusão na minha cabeça. Pô, os ensinos fundamental e médio eram chamados, naquele tempo, de 1º e 2º graus. Então, joguei a pá de cal nas minhas intenções libidinosas.
       - Mas, Beth, peraí! Se a 8ª série ainda é no 1º grau, como é que já vamos aprender equação do 2º grau nela?
       - Nãããão, Godinho! A equação é do 2º grau porque tem x ao quadrado!
       Pronto! Falei uma burrice sem tamanho, ela não ia me querer mais... Eu vi no olhar dela a decepção, a perda total da vontade de fazer comigo o sexo selvagem que sua atitude prometia. E eu, bem, perdi bastante o ânimo com a matemática. No ano seguinte, a Beth não trabalhava mais lá. Terá sido demitida? Ou não aguentava mais ficar perto de mim? Nunca mais soube dela. A Sheila, que a substituiu, era uma novinha, provavelmente recém formada, os moleques da turma ficavam malucos com ela. Mas eu não queria saber. Consegui a proeza, única na minha vida, de ficar em recuperação em matemática no meio do ano, deprimido e sem forças. A Sheila se esforçava, dava boas aulas, de repente também me dava mole, hehehe. Mas que se dane, ela não era a Beth.

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