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quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Papo capilar

       Gosto de heavy metal e sou cabeludo, coisa mais clichê não tem. Só que há muitos anos, mas MUITOS anos mesmo, venho sofrendo com uma queda alucinante e não entendo como ainda não estou completamente careca. E hoje, após lavar o cabelo e ver um matagal desabar do meu coco, resolvi compartilhar minhas angústias, memórias e prognósticos capilares.
       Tudo começou há mais de duas décadas e meia. Eu fui apresentado ao metal em uma viagem de família, para o sofisticadíssimo balneário de Araruama. Meu avô alugou uma casa de três quartos e chamou a putada toda, devia ter umas 15 pessoas amontoadas por lá, galera dormindo em colchonetes na sala, briga por causa do presunto no café da manhã, uma beleza! Entre os presentes, um tio que é apenas um ano e meio mais velho que eu (resultado do fato de meu avô ser safadinho; pense bem que dá para você deduzir a história). Esse tio levou um amigo e uma fita cassete do Iron Maiden. Nunca tinha ouvido nada parecido e escutar Iron Maiden foi uma descoberta incrível. 
       Mais que isso, eu diria que o metal foi, acima de tudo, libertador. Sim, pois eu pude me afastar um pouco da mpb que meu pai me ensinou a gostar, mas nunca empolgou de verdade. E, principalmente, pude me afastar da, digamos, dance music que meus amigos ouviam e que só me trazia sofrimento. Digo isso porque sempre fui estranho, de não me relacionar muito bem com o mundo, e sempre ODIEI dançar. Na tentativa de ao menos me enquadrar num padrão de normalidade, pra não parecer tão deslocado nas festas, eu acabava ouvindo umas coisas que, no fundo, achava uma bosta.
       Então, quando voltei da tal viagem, a primeira coisa que fiz foi correr numa loja de discos e comprar o Piece of Mind, o álbum de Araruama. Meu Deus, que capa maneira! Lembro claramente de um dia chegar em casa cantando (bem, berrando é mais realista) "nightmaaaare!", o refrão de "Still Life", a primeira música de heavy metal que ouvi na vida, e de minha mãe perguntando que porra era aquela. Ela não fazia ideia do que estava por vir... Comprei mais e mais discos, conheci outras bandas e peguei emprestado um violão encostado do meu tio - um outro tio.
       A partir daí, o próximo passo foi natural: eu queria ser cabeludo! E comecei a deixar o cabelo crescer. Lembro exatamente a data da última vez que cortei o cabelo curto: foi em 15 de janeiro de 1991, oito dias antes do dia do heavy metal no Rock in Rio II, no Maracanã. Um dia espetacular, por sinal: Sepultura, Megadeth, Judas Priest e Guns 'N Roses, todos no auge da carreira.
       Bem, eu gostaria de avisar aos postulantes que o começo do percurso rumo à cabeludice é dureza, ainda mais pra quem tem cabelo ruim. Eu usava muito boné enquanto ainda não conseguia prender o cabelo, e por ser ruim, ele não assentava nem a porrada. Pra piorar, sofri um revés bizarro com uns quatro meses. Uma tia ajudava cortando as pontas para, segundo ela, dar força para crescer mais. Um dia fui deixar minha mãe fazer isso. Grande erro! Quando me vi no espelho, meu sangue esquentou, a adrenalina subiu, minha vontade de viver se esvaiu! Ela tinha me deixado Chitãozinho e Xororó! Caraca, business in the front, party in the back! Eu tinha perguntado várias vezes se ela não estava cortando demais, mas "não, só as pontas, que coisa chata você ficar perguntando toda hora", mas estou VENDO cair cabelo demais! Ahhh! Sério, que tipo de pessoa acha aquela merda de cabelo legal? Pô, com a maldita cara de um poodle, com aquele mullet ridículo, uma consequência era inevitável: mais boné!
       Ainda em 1991, houve uma greve de quase quatro meses no CEFET, que, aliás, veio a calhar pois ajudou a esconder a fase mais negra do mullet. Quando voltamos, havia uns caras do metal na minha turma, que, quando me viram semicabeludo, vieram falar comigo. Vejam só, foi uma integração capilar à primeira vista! Ganhei amigaços, até hoje.
       Depois dessa primeira fase, eu só andava de cabelo solto. Eu tinha cabelo pra cacete, era um volume estupendo e não estava nem aí. Só fui prender o cabelo regularmente quando comecei a trabalhar. Nesse tempo eu já tinha alguns delírios. O primeiro era que eu deixaria o cabelo crescer indefinidamente. O objetivo era ser obrigado a prender o cabelo quando fosse mandar um barro, pra não fazer cosquinha na bunda, entende? Putz, nada mais distante. Ele já foi até o peito, mas nunca passou disso, por pura falta de força mesmo, eu bem que tentei. Outro delírio, esse recorrente, é o sonho do mal. Volta e meia eu acordo todo suado, botando a mão na cabeça pra confirmar que não foi de verdade. Nessa boate não deixam entrar de patins nem com cabelo grande. Ok, corta pra mim e vamos logo dançar? NÃÃÃO, O QUE EU FIZ? AAAhhhh! Ufa, era sonho... Pai, você jogava bola bem, né? É, meu filho, você tem que cortar o cabelo pra ser um craque também. Faz todo sentido, vou cortar! NÃÃÃO, O QUE EU FIZ? É sério, esse pesadelo me atormenta!
       Também ocorreram algumas situações um pouco constrangedoras. Uma vez, no ônibus, eu estava na janela e uma mulher sentou-se do meu lado, com uma criança no colo. Eu não virei a cara e a criança começou a apontar pra fora do ônibus, metendo o dedo no meio dos meus cachos (ui!). Aí, a mãe disse "Fabinho, cuidado com o cabelo da moça!", no que me virei e disse com a voz mais grave que eu conseguia: "NÃO TEM PROBLEMA!". A mulher pediu desculpas mil vezes, ficou muito sem graça. Mas me confundir com mulher fazia parte. Casa do Marinheiro, baile de carnaval, marchinha rolando, trenzinho formado, fiquei em último por uns segundos, com as mãos na cintura de uma baranguinha. Logo depois, alguém colocou a mão na minha cintura e, antes de eu poder olhar, a fila engarrafou, a galera parou de andar, o maldito não pensou duas vezes e me encoxou! PORRA, MERMÃO! O cara saiu bolado e se desculpando "pô, não dava pra saber"...
       A mais ridícula foi no ônibus também. Eu estava sentado e, pelo retrovisor interno, conseguia ver os olhos e parte do cabelo da garota do banco da frente. De vez em quando eu dava uma olhada e ela me olhava também. Não é exagero, ela estava dando muito mole, era eu olhar e ela já estava me encarando. Fiquei desesperado, pensando no que falar, como abordar. Numa hora eu cocei a testa. Caraca, ela coçou também na mesma hora, muita coincidência, ah não, vou casar com essa mulé! Ahahaha, de novo! Pô, peraí, ela também pisca sincronizadamente? Não, nããão... Fiz um movimento bem escroto, impossível de ser imitado, só pra ter certeza. E ela imitou na mesma hora. Isso mesmo, eu estava nervoso naquele busão dando muito mole para... mim!
       Na universidade, sofri uma covarde agressão cabelal. Cheguei lá na UERJ e um colega de turma, já bem coroa e também bem cachaceiro, me chamou pra "tomar um café" com ele. Eram 7 da manhã, não estava muito a fim da aula mesmo e desci. Ele pediu duas cachaças e ficamos conversando. Aí passou uma amiga, me viu de cabelo solto e falou "olha que cachinhos fofos!". E o meu camarada, já alterado pela mardita, falou "cachinho é o cacete!", passou a mão numa faca e meteu no meu cabelo! Cortou um pedação do lado esquerdo. Como eu sou metal, não fiz intervenções e fiquei ANOS com o cabelo torto, bem maior e mais volumoso de um lado que do outro.
       O último fato "relevante" que me lembro aconteceu no dia 12 de agosto de 2010. Bolinha sempre reclamou de eu pentear demais o cabelo, quem tem cabelo enrolado não pode exagerar no pente, fica cheio de frizz e tal. Ela jura que não disse pra eu fazer isso, mas desde esse dia eu não mais penteei meu cabelo. Isso mesmo, há mais de cinco seis sete anos que eu não meto um pente nele! Detalhe: eu casei em maio de 2012 e não penteei o cabelo no dia, umas amigas ajudaram com as mãos lá na hora! O curioso é que já aconteceu, mais de uma vez, das pessoas fazerem certa cara de nojo quando eu conto isso. Uma aluna até disse "mas você passa alguma coisa nele, né? Senão fica nojento, falo por experiência própria". Aí, eu é que devo ter feito cara de nojo. Ainda escrevo um tutorial pra ajudar na diferenciação entre pente e xampu.
       E chegamos à parte triste. Estou mesmo ficando careca. Eu sempre tive noção que ser carecabeludo é uma coisa horrorosa, é uma desonra para o ser humano ostentar um topo despovoado junto com um rabo de cavalo ralo e decadente. E sei que minha hora está chegando. Ou talvez já tenha chegado e só não quero admitir. Às vezes, me pego imaginando formas de driblar o que o futuro me reserva. Volta e meia dou uma espiada nos avanços feitos nos tratamentos contra a calvície. Ou então penso em radicalizar o visual, porque sei que, na verdade, há uma única forma de parecer o Mestre dos Magos e ainda manter a dignidade: você deve ser bem gordo, ter no corpo várias tatuagens, uma barba medonha, algumas cicatrizes e andar montado numa Harley-Davidson. Bem, provavelmente isso é um passe livre pra você fazer qualquer tipo de atividade bizarra: xingar a mãe dos outros, andar pelado no centro da cidade ou torcer pro Vasco, sei lá.
       E enquanto não me decido, vou improvisando. Como o cabelo não cresce mais em cima, eu uso um bode lá embaixo. No queixo, não tão embaixo!

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UPDATES
I) Beijing, China, 28 de julho de 2018. Não aguentando mais a pressão da Bolinha, resolvi pentear o cabelo. Foram quase 8 anos de cabeça bagunçada, uma pena...

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